No terceiro andar, olhando pela janela, conseguia viajar ao futuro.
Mais depressa do que a velocidade das águas do Tejo que, sem hesitações, corriam na direção da barra, desviando-se a seguir do Bugio, a ida ao futuro entusiasmava-me e colocava-me no melhor dos mundos com que alguma vez fosse possível sonhar.
O Outono Marcelista ameaçava permanecer infinitamente e nem a ala liberal conseguia transformar em luz, as nuvens que por aqui pairavam.
E a Guerra continuava!
Daquela janela do terceiro andar, conseguia saudar os do “Bragança” quando subiam os degraus de pedra da do Alecrim ou pela outra janela bem encostada à “minha”. Neste caso – tratando-se de albergue tão ilustre, não fosse pelo Eça do IXX assim tratado nos vários escritos e na “Tragédia da Rua das Flores” que, daqui consigo mirar, não a “tragédia”, mas a rua – dada a circunstância de, em vez de andar para a frente, me inspirar passado, tratei de apurar aqueles momentos mágicos de recolhimento e concentração, para que as idas ao futuro saíssem muito mais certeiras do que as “revisões” em alta ou em baixa das instituições de controlo económico e financeiro, que saltitam por tudo o que é comunicação social e a toda a hora.
Em Alcântara-Mar, a abarrotar de Mães e Pais, Irmãos e Irmãs, Mulheres e Filhos, que, por sua vez, se multiplicavam em lenços brancos marcados pela saudade antecipada. O “Niassa”, apontado ao corredor da barra, separava-se do Cais, e de verde azeitona colorido lá começava a dobrar a ondulação em sintonia com os silvos estridentes assinalando a partida.
A Guerra ainda estava lá!
De Salazar se fez Caetano e da Primavera se fez Outono!
Doze dias depois, outro Cais em África, muita gente mas agora é a chegada. A bordo só fica a esperança no regresso. Fora de bordo está o desconhecido, a ansiedade e muitas vezes o medo e o desespero.
Pela janela do terceiro andar, numa das idas ao futuro em muito tempo contado em anos e a do Alecrim em fundo…
Com intermitências, conseguia perceber as imagens, mesmo foscas, duma SOBERANIA desanimada e indefesa perante um gigante louro de olhos azuis, fêmea q.b. e vestimenta colorida. A servir de ESCUDO, o gigante trazia uma plataforma de coesão que, quando muito bem entendia e porque tinha todo o poder e dele fazia o que queria, a transformava em arma de arremesso, mais conhecida como MERCADO, com um alcance periférico sem limite de distância e vergonha. Embora um pouco encobertos pelo gigante que os protegia, dava para ver, sempre a crescer, os peões que me sopraram chamarem-se JUROS. Estes peões iam avançando no tabuleiro de xadrez que agora via claramente, enquanto o gigante se resguardava entre as TORRES DE BRUXELAS. Os JUROS conseguiram ameaçar as defesas da SOBERANIA que, num último momento, se aguentou e recuperou até algumas linhas no tabuleiro. A resistência está difícil, o XEQUE-MATE pode surgir a qualquer momento mas, enquanto há vida, há esperança!
Naquele terceiro andar, à janela, conseguia ver a continuação da Guerra que matou e estropiou. Conseguia sentir a emoção dos portões de Caxias e de Peniche que se abriram a Portugal. Conseguia sentir o peso dos séculos duma NAÇÃO, tantas vezes ameaçada e outras amordaçada, mas sempre libertada.
Da janela do terceiro andar, vi calarem-se as granadas e as metralhadoras, vi abraços fortes de liberdade e vi o fim da Guerra.
As portas que Abril abriu à SOBERANIA não se fecharão à esperança!
SBF