A volta das voltas. Chegamos, partimos e lá voltamos sempre!

07
Fev 11

A corrida lenta e certa desde o alto do frasco até às entranhas marca a cadência das aproximações entre a vida, a dor ou a anestesia. O recobro é o início duma caminhada sempre longa e muitas vezes penosa, de tanto exigente.

 

A batida do monitor insistente e motivador da aproximação do cuidador, atravessa o sono de embriaguez química e cansada. Precisa de alguma coisa? As palavras soam como badaladas de sinos de altas igrejas que inundam campos tão coloridos, como bonitas telas pintadas de propósito.

 

O fio mais cumprido é a campainha. Se precisar de alguma coisa é só carregar!

 

Se fosse silêncio de noite, não se ouvia o terrim…terrim… das campainhas e do telefone. Os sonhos atravessam a noite sem limite. Os gemidos e os chamamentos e os “precisa de alguma coisa?” também entram nos sonhos…sonhos com velocidade e sem reduções.

 

Pela frincha da janela entra finalmente a claridade da manhã e eu sonhei e eu acordei!

 

Silvestre Félix


02
Fev 11

“Na estalagem de mobiliário branco, cortado, aqui e ali, pelo tom prata da moda”, a vida corre com sofrimento mas também com devoção e esperança.

 

O toque cadenciado dos monitores, um atrás do outro, embalam o sono engajado na dor e nas idas aos patamares alucinados. As imagens constantes, bem arrumadinhas em quadradinhos bem nítidos, com falas sugestionando o bem ou o mal. Quando bem, acende a ansiedade para entender duma forma racional, que mensagens os quadradinhos me transmitem. Quando mal, provocam um misto de raiva e medo e é manifesta a impotência para os retirar da zona abrangente do meu alucinogénico sono.

 

“Na estalagem de mobiliário branco, cortado, aqui e ali, pelo tom prata da moda”, os anjos não dormem. São eles ou elas, não importa, porque anjos não têm sexo, só têm bata branca. Não descansam e estão sempre cuidadores junto à cama. O gemido, o grito, o pedido, a negação. Os anjos não precisam de manual, sabem de cor os significados e nunca dormem. Religiosidade à parte, abençoados os anjos de bata branca que sempre lá estiveram.

 

No “modo” de observador, em fase mais consciente e pela experiência das várias estadias “na estalagem de mobiliário branco, cortado, aqui e ali, pelo tom prata da moda” a capacidade de interpretação do que vai acontecendo à minha volta, aumenta desmedidamente, e enfraquece a sensação de debilidade. Estou forte! E, na outra cama, o sofrimento é agudo. “Calma, é assim mesmo. Tem de acreditar e ter coragem” – Consigo passar a ideia mas duvido do efeito. A perturbação, o medo, o terror, não tem limite. Diz ele: “Não, não quero! Vão pôr no soro e eu fico a dormir e depois cortam-me… Não, não deixo, não quero!” A expressão facial e corporal não disfarça o pânico. As de bata branca, com aconchego carinhoso e palavras macias de psicologia simples de anjo sem sexo, controlam o desarranjo mental.

 

“Na estalagem de mobiliário branco, cortado, aqui e ali, pelo tom prata da moda”, perto da minha casa, moram anjos de bata branca sem sexo.

 

Silvestre Félix


27
Set 10

 

As florescentes em horizontal no teto dos corredores muito compridos, são a “marca d’água” das viagens em maca de última geração. Já tenho algumas destas viagens carimbadas no meu passaporte emitido pelo SNS deste “Estado-Social” que tantos querem subverter!

 

Cada visita feita, como hoje, às acomodações do “Fernando da Fonseca”, é como aqueles encontros periódicos de amigos. Tratamos do que é preciso e falamos de nós, dos outros, da crise, do tempo e também de doenças… já agora…

 

A boa ou má disposição por detrás do guiché, contamina o utente!

 

Todas as cadeiras estão ocupadas por poucos novos, muitos velhos, caras de sofrimento, olhares vagos, cores pálidas, mais muleta, cadeira de rodas e a espera de cinco, dez, quinze minutos ou meia-hora, sempre pretexto para o habitual protesto embirrento.

 

O aviso sonoro da chamada encaminha-me e encontro o conforto dos técnicos competentes e afáveis.

 

SBF

publicado por voltadoduche às 16:36

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