A volta das voltas. Chegamos, partimos e lá voltamos sempre!

15
Dez 10

 

Olhando pela janela do terceiro andar em dias de luz lisboeta intensa de Primavera prometida, conseguia medir o tempo em horas, marcando, em linhas verticais, a passagem do Sol. Primeiro de manhã, beijando o estuário do Tejo começando pelo Mar da Palha até à direção de Cacilhas, depois, por cima das águas-furtadas e, por último e pela direita, lá se escondia atrás dos prédios.

 

Na janela do terceiro andar, ouvindo o “telim-telim” do amarelo que subia e descia a do Alecrim, sentindo e adivinhando os idos e entrados no Bragança, o meu peito ofegava e enchia-se de luz porque a Primavera ainda podia vir. O “Cacilheiro” que vem e a “Falua” que vai, completam a cena da tela cheia de cor e vida prometida.

 

Até o da Terceira que era Duque e antes de Vila Flor e se empenhou na empresa para recuperação da Constituição Liberal de 1822 em nome do Regente, Imperador dos Brasis e Rei de Portugal batizado de Pedro umas vezes primeiro outras quarto, mas sempre o mesmo, até esse… naquela posição de combatente depois da miguelada e vilafrancada absolutista e reacionária. Até ele teve a sua Primavera e admira e é admirado por todas as janelas da Praça e também pela do terceiro andar.

 

Até o Bernardino Costa, herói Bombeiro da Cidade e, por isso, com muita coragem, consegue abraçar o bom, o mau e o assim-assim, destes quarteirões, das gentes em vai e vem p’rós lados dos “pouca-terra, pouca-terra” mais o Tejo que corre sempre cheio depressa na vazante, não vá a Primavera chegar, até para lá de Belém e de Pedrouços até à Barra depois de passar o Bugio.

 

À mesma hora, diziam que o ditador de botas estava a dar o último suspiro!

 

No terceiro andar, pela janela virada ao Sol, eu, por momentos, horas e dias, acreditei que era Primavera, mas não veio, ficou ainda Outono e Inverno durante muito tempo contado em anos… E os lenços brancos continuaram a acenar…a acenar…e a multiplicarem-se sem parar…acenavam, acenavam e foram… e mataram e morreram!

SBF Silvestre Félix

 

(Imagem: Desembarque de militares portugueses em Luanda-1961. Internet)


06
Nov 10

 

No terceiro andar, olhando pela janela, conseguia viajar ao futuro.

 

Mais depressa do que a velocidade das águas do Tejo que, sem hesitações, corriam na direção da barra, desviando-se a seguir do Bugio, a ida ao futuro entusiasmava-me e colocava-me no melhor dos mundos com que alguma vez fosse possível sonhar.

 

O Outono Marcelista ameaçava permanecer infinitamente e nem a ala liberal conseguia transformar em luz, as nuvens que por aqui pairavam.

 

E a Guerra continuava!

 

Daquela janela do terceiro andar, conseguia saudar os do “Bragança” quando subiam os degraus de pedra da do Alecrim ou pela outra janela bem encostada à “minha”. Neste caso – tratando-se de albergue tão ilustre, não fosse pelo Eça do IXX assim tratado nos vários escritos e na “Tragédia da Rua das Flores” que, daqui consigo mirar, não a “tragédia”, mas a rua – dada a circunstância de, em vez de andar para a frente, me inspirar passado, tratei de apurar aqueles momentos mágicos de recolhimento e concentração, para que as idas ao futuro saíssem muito mais certeiras do que as “revisões” em alta ou em baixa das instituições de controlo económico e financeiro, que saltitam por tudo o que é comunicação social e a toda a hora.

 

Em Alcântara-Mar, a abarrotar de Mães e Pais, Irmãos e Irmãs, Mulheres e Filhos, que, por sua vez, se multiplicavam em lenços brancos marcados pela saudade antecipada. O “Niassa”, apontado ao corredor da barra, separava-se do Cais, e de verde azeitona colorido lá começava a dobrar a ondulação em sintonia com os silvos estridentes assinalando a partida.

 

A Guerra ainda estava lá!

 

De Salazar se fez Caetano e da Primavera se fez Outono!

 

Doze dias depois, outro Cais em África, muita gente mas agora é a chegada. A bordo só fica a esperança no regresso. Fora de bordo está o desconhecido, a ansiedade e muitas vezes o medo e o desespero.

 

Pela janela do terceiro andar, numa das idas ao futuro em muito tempo contado em anos e a do Alecrim em fundo…

 

Com intermitências, conseguia perceber as imagens, mesmo foscas, duma SOBERANIA desanimada e indefesa perante um gigante louro de olhos azuis, fêmea q.b. e vestimenta colorida. A servir de ESCUDO, o gigante trazia uma plataforma de coesão que, quando muito bem entendia e porque tinha todo o poder e dele fazia o que queria, a transformava em arma de arremesso, mais conhecida como MERCADO, com um alcance periférico sem limite de distância e vergonha. Embora um pouco encobertos pelo gigante que os protegia, dava para ver, sempre a crescer, os peões que me sopraram chamarem-se JUROS. Estes peões iam avançando no tabuleiro de xadrez que agora via claramente, enquanto o gigante se resguardava entre as TORRES DE BRUXELAS. Os JUROS conseguiram ameaçar as defesas da SOBERANIA que, num último momento, se aguentou e recuperou até algumas linhas no tabuleiro. A resistência está difícil, o XEQUE-MATE pode surgir a qualquer momento mas, enquanto há vida, há esperança!

 

Naquele terceiro andar, à janela, conseguia ver a continuação da Guerra que matou e estropiou. Conseguia sentir a emoção dos portões de Caxias e de Peniche que se abriram a Portugal. Conseguia sentir o peso dos séculos duma NAÇÃO, tantas vezes ameaçada e outras amordaçada, mas sempre libertada.

 

Da janela do terceiro andar, vi calarem-se as granadas e as metralhadoras, vi abraços fortes de liberdade e vi o fim da Guerra.

 

As portas que Abril abriu à SOBERANIA não se fecharão à esperança!

SBF


23
Jun 09

 

Daquela janela do terceiro andar observava os vidros do número sete da “Bensaúde” e, no último piso, as águas furtadas com o acesso ao estendal da roupa que, beijando o sol da manhã pela nascente, incentivava o olhar alegre e penetrante enquadrado num sorriso arrepiante de paixão.
O sol no enfiamento da do alecrim até ao Camões, dava o pretexto para descer até ao “Califórnia” com as lulas recheadas, o bitoque ou o bife à café. Findo o lauto, e o cumprimento de despedida para o António e o Chico das mesas, saindo pelo caminho dos da carris, o “Brithis Bar” e o tubo cromado acompanhando o balcão em cima e em baixo para posar o sapato, o relógio de parede com as horas ao contrário e aquela gravura centenária do veleiro do agente vizinho. O digestivo, e o Vicente, o digestivo e o Oliveira (cliente) porque o Oliveira (barman), por esta altura, já não fazia parte dos vivos. O digestivo e o Caparica, o digestivo e o Zé Manel e o Mendes e o Louro e o Milheiro e o Nunes e…
O “gravateiro” chinês e o cauteleiro com a terminação. Fatos, gravatas e sapatos engraxados. Último quartel do almoço, pela esquina do corpo santo até à Ribeira das Naus e a relva da borda d’água. O Tejo naquele dia corria para a barra e o cacilheiro navegava ao contrário para chegar ao cais do Cais do Sodré.
O Tejo e o mar da palha. A água forma pequenas ondas que vão batendo nas pedras da margem. Falando, olhando, rindo, rosário de Maria, e eu, na direcção contrária à corrente até ao cais das colunas. O olhar da alma e o sorriso e eu e rosário de Maria voltando no enfiamento da do alecrim. Eu menino, ela menina, e os dois alegres e felizes.
Eu estava naquela janela do terceiro andar.
SBF
(Foto: Praça Duque da Terceira em Lisboa - Wikipédia)

28
Mai 09

 

Daquela janela do terceiro andar via Maria pelas verdes águas furtadas às telhas cor de barro num cúmplice olhar. Pela direita, ao longo dos carris dos amarelos, a do alecrim acabava num largo de Camões e Chiado com a ilusão de óptica de afunilamento.
E a Maria entre o recife dos bábás e a brasileira dos natas únicos do cais do sodré, e lá caminhávamos, lado a lado, pela 24 de Julho até à junqueira em estudo da Dona Maria Amália. Mais tarde, ao contrário, com o poente atrás, lá regressávamos muito devagar, o mais devagar possível, com toques leves na mão leve, e os lábios rosados de rosário menina. Eu, também menino, via tudo na frente cor-de-rosa, sempre daquela janela do terceiro andar e o Tejo que levava de Alcântara e de Santos os soldados p’ra guerra. Eu, ainda menino, daquela janela do terceiro andar, sentia o tempo a correr, sem nunca saber se os anos iam passar depressa demais. E a rosário ficava lá nas verdes águas furtadas, e os lenços brancos das mães, das avós, das noivas, das mulheres, acenavam como se levassem com eles a saudade e a promessa de voltarem.
E eu, ainda menino, via a rosário de Maria e a paixão subia, subia, e sentia o tempo a correr e não sabia quando a guerra ia acabar.
SBF
(Foto: Av. 24 de Julho com o mercado da Ribeira à direita - Google)

14
Mai 09

 

Daquela janela do terceiro andar, via o rio à esquerda chapado nos estaleiros e docas secas em Cacilhas, com letras muito grandes “Lisnave”, orgulho do regime em “primavera” corrida com fim já não muito longe. Recortando ainda esta visão de “esquerda” (para o Tejo), a estátua no meio da praça, que todos dizem - Cais do Sodré, mas é do Duque da Terceira, esta ilha dos Açores, e este Duque, companheiro de armas do quarto D. Pedro, primeiro do Brasil, que daquele grupo central do arquipélago navegou até ao continente e desembarcou na “Invicta” para acabar de vez, em nome do quarto D. Pedro e primeiro do Brasil, com a aventura absolutista do ditador primeiro D. Miguel, em conluio com a mãe, Dona Carlota Joaquina, dos dois D. Pedro e D. Miguel.
Daquela janela do terceiro andar via e ouvia os amarelos que, ao passarem sobre os carris, guinchavam e rolavam em direcção ao Camões a subir ou a descer em direcção à dita praça que já foi terreiro, do cais e agora do Duque. Os amarelos tinham outras cores vistosas de publicidade e os pendurados davam ainda mais “gosto” ao vai e vem e ao som único do T’liiim! T’lão! Dos amarelos da Carris.
Daquela janela do terceiro andar via, os que entravam e saiam da estação dos comboios “pouca – terra – pouca - terra” da antiga primeira ou segunda classe, não do comboio mas da escola primária de assentos com nome de carteira em peça única com tinteiro para a caneta de tinta – permanente. Reguadas e palmatórias com ponteiro de cana – da – Índia eram ferramentas do “ensinador” oficial.
Daquela janela do terceiro andar via, para o meu lado direito de quem sobe, a entrada para o velho hotel Bragança que já era para o Eça, Bulhão Pato e outros famosos do dezanove desde a contagem depois de Cristo em séculos.   
Daquela janela do terceiro andar via, todos os dias e a toda a hora, mesmo à frente do outro lado da, do alecrim, as águas – furtadas que “furtavam” o meu sossego, em sonho constante de rosário de Maria com respeito e de contido desejo à medida da verde idade. Logo de manhã, todos os dias, aquele percurso rotineiro pela Bernardino Costa, largo do Corpo Santo a do Arsenal pelo Município até ao Terreiro. Depois a volta, a respiração ofegante, as pernas a tremerem, a mão quando toca vira choque como se fosse electricidade, ela a corar sempre no meu olhar. O tempo passou contado em muitos anos. Rosário de Maria cheia de amor disponível, e que deixei no meio daquele Verão quente que na história será “ PREC”.
E o Cacilheiro zarpa do cais do sodré para a outra margem, e tanta gente, e depois vem, e eu, o vejo sempre de lá para cá e de cá para lá, daquela janela do terceiro andar.
SBF
publicado por voltadoduche às 09:48

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