A volta das voltas. Chegamos, partimos e lá voltamos sempre!

26
Jun 13

 

A afirmação “tudo é e não é”, para além do título do último romance de Manuel Alegre, é uma verdade inquestionável, principalmente quando falamos do “universo” da nossa política partidária. As estrelas maiores dos grupos políticos atuam para plateias cada vez mais indefesas. Fazem-no conscientes que têm de mentir melhor que os papagueadores dos grupos adversários. Do desempenho, depende a vitória ou a derrota nas urnas eleitorais.

 

O grupo que ganha, que mentiu melhor, logo a posse dada começa a fazer o que muito mais interessa ao grupo e à sua clientela deixando rapidamente para trás o prometido (mentido) ao nos palanques da “sofrida” campanha.

 

O grupo que não ganhou a governação, depressa continua ou se readapta aquela cómoda posição de dizer e reivindicar o que nega ou não faz, quando está do outro lado, na mais apetecida cadeira do poder.

 

A formatação destes líderes orgânicos assenta nos mesmos “ensinamentos” (sem princípios), sejam do grupo A, B, ou C sendo que, para atingirem aquele mínimo necessário de “sem vergonhice”, têm de ter muitos anos de treino. 

 

Eles querem que o jogo seja assim – “tudo é e não é“. A vida vai andando, os grupos amanham-se, o amarfanha-se e o País afunda-se.

 

O grande António Aleixo já dizia que algum dia «pode o Povo querer um mundo novo a sério». Quando isso acontecer, não há “formatação” que valha nem descaramento que os safe!

 

Silvestre Félix

publicado por voltadoduche às 15:18

04
Jun 13

 

Da janela do terceiro andar conseguia ver o mundo e o céu. Também via o “escondidinho” e, movendo os maxilares em seco, saboreava a boa bifana. A toda a hora ouvia o pregão do cauteleiro e o premiado número da “Casa da Sorte”. Daquela janela encarava a porta do “Bensaúde” e, na outra margem, a doca seca da “Lisnave”. Os cacilheiros, as faluas e as fragatas mostravam-se num vai e vem sem fim. Pelo lado dos Remolares apareciam os carregadores da “ribeira” com os hortícolas coloridos e as varinas com os pescados de fresco na costa que ainda era nossa. E as vieirinhas do “Porto de Abrigo”? Do terceiro andar, à janela, enfrentava os estendais de roupa a tapar as vistas para as águas-furtadas. E o digestivo do Brithis que o careca e simpático Oliveira servia com rigor minimalista? E o gravateiro chinês, e o engraxador do Califórnia e o paleio do António ao mesmo tempo que trocava as mãos com o bife à casa e as lulas recheadas? Lá, do terceiro andar, mesmo que não estivesse à janela, adivinhava as tretas atiradas pelo Man’el porteiro metido naquela fardeta cinzenta com direito a boné à polícia de pala em rijo cartão forrado. Sempre queixoso como se toda a gente lhe devesse. Sempre o pior parceiro para a “sueca” no armazém, lá, no terceiro andar, no mesmo da minha janela. O Vicente, eu, o Catarino e o Nunes “babávamos” pelo carvoeiro e as sardinhas assadas. As melhores. E mais tarde, porque antes era menu caro p’ra curta féria, o Rio Grande e o frango assado no espeto e o tinto do Cartaxo também viria a fazer parte do roteiro. Debaixo da do Alecrim, corria a Nova do Carvalho que só acordava lá para a hora de almoço com os neons hesitantes. Os marujos e os magalas sempre animavam a noite e sonhavam com amores perdidos numa enxerga de quarto de lavatório e bidé avulso na pensão contratada.

 

 

De braços cruzados no parapeito conseguia ver, de olhos fechados, o outro lado da cidade. O cheiro a combustível e o sonoro das turbinas dos B 747, B 707, B 727, DC 10, etc., etc., desmultiplicando no fundo da pista. O Castelo Branco que mal sabia que outro, muitos anos mais tarde, não acrescentava pergaminhos à graça com nome de digna cidade beirã, com toda a sabedoria do muito tempo contado em anos, lá desenrascava a carta de porte do cliente mais exigente. Em modos de sono primário, a partir da janela do terceiro andar, sentia o piso irregular, que sempre me pareceu estar ao contrário, daquele terminal do edifício dezassete. O Nelson do Aguinaldo desalfandegava e queria sempre o maldito BRI que ia e vinha deduzida a cota para a próxima. O “metro” até ao Areeiro e no primeiro andar do 8 ou 44 no verde da “Carris”. De lá, do terceiro andar bem perto do Tejo a horas certas do relógio da esquina do Duque da Terceira e do outro, do “Brithis Bar”, que anda ao contrário, via a escadaria e a fachada dos anos trinta. Subindo, era por ali que entrava, passava pela tabacaria arrastando o vício num pacote de nicotina e lá seguia o caminho e os tapetes, as malas, e, mais à frente, o hangar, as paletes e os contentores e sempre, até hoje, como se lá estivessem, os saudosos cheirinhos e barulhinhos. 

 

De qualquer janela dum terceiro andar podia, fechando os olhos, sentir o cheiro de África e da terra moçambicana quando a pista de Mavalane me recebeu pela primeira vez. Muito provavelmente porque o Tejo me guiou pelo ar como se navegando fosse pela frente de Belém e dos Jerónimos e saísse pela mesma barra dos antigos navegadores. Podia ter sido, só não fui conquistador e, antes, conquistado.


Naquele tempo não sabia mas, a Lusofonia, era, e é, o caminho.


Mesmo duma simples janela dum terceiro andar do Cais do Sodré donde via tudo e mais alguma coisa, em mim morava esperança e crença no que aí havia de vir mas, como se percebe, nunca imaginaria ver uma parada militarista em pose prussiana desfilando pela Ribeira das Naus e formar em conjuntos quadrangulares no Terreiro do Paço.

 

Nestes tempos de agora, a tribuna de honra continua a estar numa das alas da Praça mas, a conquista, bem cultivada em laboratório e, ignorando o equestre D. José, traveste-se e apresenta-se de escuro fato, gravata e pasta na mão.   

 

Silvestre Félix

(Fotos: Imagens google)

publicado por voltadoduche às 16:14

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