Bom da cabeça não pode estar quem – com todas as atrativas alternativas deste mundo e de falta de publicidade ninguém se queixa, antes pelo contrário – não aceita a oferta nacional, muito perto de casa, de alojamento para seis noites em regime de pensão completa, a preço de saldo em última rebaixa mas de muito boa qualidade, incluindo programa variado com calendário previamente estabelecido de aventuras e desventuras: passeios por corredores infindáveis de luz branca mas daquela mesmo muito branca, workshops sobre o comportamento humano em generosidade e na capacidade de sofrimento, experiências inimitáveis de sonos acompanhados com os sons dos mais originais que há – só possíveis em unidades deste tipo – com sequências de triliões de imagens devidamente compactadas e catalogadas incomparavelmente mais eficazes do que qualquer PS, provas de compostos e complementos alimentares na forma líquida e sólida de eficácia amplamente comprovada, utilização de SPA em regime privativo nos banhos e noutras aplicações com o acompanhamento permanente dos mais qualificados profissionais.
Com a oferta descrita, não perdi tempo e lá fui o mais depressa que pude, faz precisamente hoje, oito dias. Estou de regresso aos meus, à minha casa e, principalmente, à minha cama.
Aconteceu sempre, e penso que o mesmo sucede com a maioria das pessoas, que ao longo da vida nas ausências em trabalho, às vezes prolongadas, estabelecia uma espetativa da receção quando a casa voltava. É claro que também tinha que contribuir para isso, por exemplo: A prendinha ou recordação que se trazia deste ou daquele sítio, deste ou daquele aeroporto, e a duração da viagem.
Desta vez, também quis fazer da mesma maneira.
Na passada Sexta-Feira, lá pelo final do dia, depois de uma viagem de corredor com ida e volta, em que as florescentes do teto tomam maior velocidade que nós e em que fica sempre de fora, entre a partida e a chegada, determinado tempo contado em horas, belisquei-me nalguns sítios, abri bem os olhos, tentei salivar e senti uma das ferramentas da aventura bem enfiada pela goela abaixo. Conforme o manual de instruções, é nessa altura que se confirma o sucesso da primeira aventura.
Então, superada esta primeira, outras se seguirão e, na volta a casa, quando a porta se abrir, quem vai estar lá para me receber? A Isabel e a Sofia estiveram comigo todos os dias, Bruno alguns, mas já não mora lá. Já não pode ser igual. Os putos cresceram e não vou chegar sozinho e mesmo que o quisesse não era possível. Os programas, essencialmente físicos, condicionam uma boa percentagem da mobilidade. O único personagem da história que permaneceu sempre em casa e, pelo que me contaram, demonstrou desagrado todos os dias pela minha ausência, foi o Sunny Cat. Esse mesmo! É a ele que vou exigir o cumprimento do protocolo de receção. É inflexível nos seus quereres e agora chegou a sua vez. Assim foi, entrei em casa e, mal deu pela minha presença e sem lhe dizer nada, manifestou logo a sua satisfação com uma miadela adequada à circunstância, e roçadelas infindáveis pelas pernas, entremeadas de mios e lambidelas mas mãos a que correspondi com a mesma emoção. Só não pude aceitar aos pedidos constantes de brincadeira que, prometo, serão devidamente compensados a seu tempo.
Aqui estou, enriquecido, não na conta bancária, mas em experiência e saber, com o coração a transbordar de gratidão pela forma como todos os profissionais me acompanharam nesta estalagem de mobiliário branco, cortado, aqui e ali, pelo tom prata da moda.
Muito Obrigado
Silvestre Félix
27 de Janeiro de 2011
Tags: Hospital Fernando da Fonseca