A noite foi de pouco sono e de muita conversa. O Mata e o Cruz, bem informados pelos seus contactos partidários que nunca se percebeu qual era e se era o mesmo dos dois, se PCP, se UDP, se MRPP, se PRP, se PCP (ML) se LCI se, se… do PS, PPD ou CDS é que não era. Em todo o caso, asseguravam que a situação ia acabar por ser resolvida com calma. Mas permanecia aquela ansiedade e mesmo algum medo. Para o Vilaça as coisas eram mais fáceis porque já estava perto da “peluda” e, para evitar algum problema de última hora, iria sempre esperar por pouco mais de um mês. O João e o Albertino estavam mais preocupados. O João acreditava mesmo que a democracia estava a levar um “corte” mas, o que era certo, é que não havia informação nenhuma do que se estava a passar no resto do País.
Quarta-Feira, 26 de Novembro, amanheceu fria mas com sol. Às 8h30 da manhã, ao contrário do que era habitual, o movimento fora das companhias era residual. O Quartel estava com quase 300 homens lá dentro e, aquela hora, parecia que estava tudo ainda a dormir. Aí por volta das nove horas, de repente, como se tivesse sido combinado, mas não foi, o pessoal começou a aparecer e a ocupar os pontos solarengos. O refeitório e os bares foram-se enchendo com a fome a apertar e as conversas desenvolveram-se e multiplicaram-se de tal forma que, a meio da manhã, num crescendo de afluência, as armas começaram a ser entregues nas respectivas arrecadações.
À hora de almoço, já muito pouca gente tinha arma distribuída. O João não fazia ideia que era a última vez que ia almoçar naquele refeitório. O prato foi Bacalhau à Gomes de Sá que o Albertino conseguia preparar primorosamente para aquela quantidade de gente. Tal como a Dobrada com Feijão Branco do dia anterior, o gosto deste Bacalhau permaneceu pelo tempo fora na boca de João como o tivesse comido no casino. É que o seu amigo Albertino, quando foi obrigado a ir para a tropa, já se responsabilizava por algumas refeições no casino. Era, aos 21 anos, o braço direito do Chefe na cozinha.
Logo a seguir ao almoço e ainda antes da bica, o João foi entregar à arrecadação as duas armas que lhe estavam distribuídas. A partir daquele momento sentia-se mais leve e desresponsabilizado.
O dia correu manso e às cinco da tarde lá estava o ginásio cheio de gente. Foi feito o ponto da situação. O tal Major Segundo-Comandante pediu licença para intervir no sentido de transmitir a posição do Comando, e foi o que fez. Informou que estava presente para verificar se de fato o pessoal mantinha a decisão de não aceitar o novo Comandante e, em consequência, passar à disponibilidade.
A Assembleia foi correndo depressa, e as propostas para entrega das armas e a opção pela passagem à disponibilidade, foram aprovadas por maioria. Sem votos contra e com uma dúzia de abstenções, sendo que, cinco ou seis eram milicianos que estavam no final do seu serviço militar. A sessão terminou uma hora depois e, como era habitual, tudo foi arrumado no seu sítio com rigor e disciplina.
SBF
(Continua)
(Partes do escrito “25 de Novembro do ano do PREC” de Silvestre Félix)
(Baseado na realidade com situações e nomes ficcionados)