A volta das voltas. Chegamos, partimos e lá voltamos sempre!

30
Nov 15

 

Neste deprimente novembro, como, aliás, todos os outros que têm vinte e cinco e desde que eu tinha vinte e um em anos contados, que, quase no fim (o novembro) mas ainda andando por aí algumas horas, oiço coisas feitas lamechices completamente deslocadas em dia de cimeira de ambiente e em tempo de carência e necessidades básicas dos refugiados que batem à porta duma Europa que foi assobiando para o lado e, quando acordou e deixou cair o assobio, viu-se tolhida de movimentos e soluções (como é costume)…


Lamechices eu ouvi, perto de mim, em lugar público, usando, alguém, topo de gama auditivo na escuta:


«— Não! Não! Não posso andar de “cavalo p’ra burro”!


(tempo de resposta inaudível, para que está do outro lado)


— Sim! O carro é ótimo, mas a carrinha que ele me atribuiu o ano passado, a que tenho agora, tem sete lugares!


TACHOS - FOTO.jpg

(Resposta inaudível)


— Sim! Eu sei! Mas, neste caso eu valorizo o tamanho. Se fosse anual mas para dois anos… agora tenho dois filhos, mas para o ano posso ter três. E depois, tenho que que arranjar particularmente um carro maior?


(Resposta inaudível)


Achas que devo aceitar? Sim, ao carro não lhe falta nada do que é a última tecnologia. Se quiser, até posso trabalhar no carro.»


Não ouvi mais porque o elemento teve a acertada ideia de se desviar do local onde eu estava sentendinho…


Nestes dias de deprimente novembro, que, para mim, sempre é, têm-se falado muito das dúvidas sobre o aumento do ordenado mínimo até 600 euros em 2019. Pois………..


Silvestre Félix
30 de (deprimente) novembro de 2015

publicado por voltadoduche às 19:39

25
Nov 15

Uma parte dos que militaram nas fileiras dos vencedores em 25 de novembro de 1975, não conseguiram terminar a missão a que se tinham proposto — fazer recuar o País a 24 de abril de 1974.
O poder, no essencial, ficou com os moderados e, por isso, ficou-lhes atravessado a meia-vitória ou meia-derrota naquele 25 de novembro.
Quarenta anos depois, embora alguns “originais” tenham desaparecido e outros estejam em vias disso, deixaram sementes a germinar por aí e, ainda neste outubro e novembro, de plantinhas nascidas com as primeiras águas, com toque veludo e bem cheirosas, viraram agressivas e pestilentas, tirando todas as garras de fora e arranhando em todas as direções e por tudo quanto lhes “cheirou” a democracia.
Mais uma vez, não conseguiram os seus intentos. Decerto não desistiram e, lá para a frente, outras tentativas farão.
Forum25Abril.jpgOs portugueses estarão alerta!
Por agora, o bom senso venceu!
Silvestre Félix
25 de novembro de 2015

 

 

 

 

publicado por voltadoduche às 23:44

25
Nov 11

…Era uma das poucas coisas boas que ali encontrava, o “Chefe” Cabo Albertino, e os seus petiscos. Aliás, o Albertino viria a ser um dos milicianos companheiro de viagem de João, na caixa duma “Berliere”, na madrugada de 26 para 27 de Novembro, que foram distribuídos pelas residências dos que moravam perto, e pela Estação de Santa Apolónia, para os que iam de comboio para casa com o “passaporte” na mão. …

 

…Para o João não havia dúvida. Embora, do ponto de vista político, estivesse na área da chamada esquerda revolucionária, ou melhor, do PS para a esquerda, e, neste caso, contrário ao “Grupo dos Nove”, para ele o mais importante era a hipótese de se ver livre da tropa, portanto, a sua escolha, como para a quase totalidade dos milicianos, era a disponibilidade, passagem à “peluda” como se dizia então. …

 

…Há uns dias que a Comissão de Unidade tinha elaborado uma escala de saídas do quartel, para se saber exatamente o que se estava a passar no País real. Começava a haver pouca confiança na informação que chegava via televisão e rádio, e, dentro do quartel, era a única que havia. …

 

…Tinha chegado o dia de João sair para o exterior. No dia seguinte, 25 de Novembro, 3ª Feira, ano do PREC, ainda não eram 9h quando transpôs a “Porta-de-Armas” sob o olhar protetor do Primeiro-Sargento Alves. Uma dúzia de passos andados já na rua, olhou para trás, contemplou aquele grande portão verde e, decidido, encaminhou-se para a estação …

 

…Pouco depois de João ter saído do quartel como estava previsto, ouve-se o toque para a formatura geral. …

 

…de frente para a formatura na parada…

 

…Botou discurso o novo Comandante mais uma vez, dizendo que lamentava a decisão da Assembleia, que ainda havia tempo para pensarem melhor mas, se for realmente essa a vontade, tudo fará para que a transição corra sem problemas. Quanto ao regresso do antigo Comandante, não é negociável e está fora de questão qualquer cedência nesse sentido. …

 

João Marques passou todo o dia em Lisboa, a maior parte com colegas de trabalho e, ao fim do dia, rumou a casa onde aproveitaria para matar saudades da família e dos amigos e preparar roupa, porque a prevenção continuava e não sabia quando poderia voltar a casa. Tinha consigo três ou quatro jornais e toda a informação atualizada que conseguiu obter. …

 

…A televisão, a um dos cantos da sala, transmitia notícias e, naquela altura, falava o Capitão do MFA, Duran Clemente e era nisso que João estava interessado.

  

De repente, o Capitão, interrompe o que estava a dizer, começa a olhar para cima e para os lados, a imagem desaparece e é substituída pela escuridão completa do ecrã. Momentos depois, volta a surgir som e imagem mas, o que o João via, não era o Capitão Clemente mas sim, o exterior dos estúdios da RTP do Porto no Monte da Virgem. Uma voz off anuncia de seguida uma comunicação de Sua Exa o Presidente da República: O General Costa Gomes anunciava o decreto da declaração de “Estado de Sítio” com recolher obrigatório durante a noite. …

 

…os pensamentos de João sucediam-se… e o que mais o atormentava era a ideia de que teria havido um golpe militar de direita e tudo ia voltar para trás: A guerra, a PIDE, a censura e a tortura iam voltar… tudo se tinha perdido. E foi neste turbilhão, sem fazer ideia do que estava a acontecer na sua Unidade e dos riscos que corria, que, voando, chegou ao café onde costumavam parar os amigos. O Zé Silva, que tinha acabado de ver na televisão o mesmo e como se estivesse à espera dele, quase sem perguntas, meteu-o no seu carro e acelerou até ao quartel. …

 

…durante o trajeto, os dois amigos foram conversando mas a ansiedade de João sobreponha-se a tudo… o que me irá acontecer quando lá chegar? Vão prender-me com certeza! Pensava em voz alta o João.  

«Não o prenderam mas a história do 25 de Novembro estava agora no início»

(Continua)

 

Silvestre Félix

25 de Novembro de 2011

(Parte do escrito “25 de
Novembro do Ano do PREC” de Silvestre Félix e já publicado neste blogue em
Novembro de 2010 – Ver tags em 25 de Novembro.)

(Baseado na realidade,
com nomes e situações ficcionadas)

publicado por voltadoduche às 19:05

04
Jan 11

 

DIAS 26 E 27 - CAPÍTULO VI E ÚLTIMO

 

Por volta dum quarto para as duas da madrugada, depois de aparentemente estarem entregues todos os passaportes (cerca de 300), aproximou-se da porta da secretaria da CCB o 1º Sargento Figueiredo, um porreiraço, que por acaso era vizinho do João, pedindo silêncio e atenção para o que ia dizer: “Meus senhores, por determinação do Comando e conforme já vos foi transmitido, todos os militares que escolheram passar à disponibilidade e que tenham residência num raio de 50 quilómetros da Unidade, em virtude de não poderem circular sem autorização devido ao “estado de sítio”, terão à sua disposição transporte militar para os deixar nas suas moradas e em Santa Apolónia, Lisboa, para quem tenha que apanhar comboio para o norte. Assim, quem estiver nestas condições, deverá estar à frente da porta-de-armas de mala aviada às duas e um quarto, para aferição das listagens e organização do transporte nas várias viaturas.”

 

Rapidamente o João e os amigos Albertino, Mata e Cruz, enfiaram as suas coisas dentro do saco e às duas horas já estavam à porta. O que feito na secretaria do CCS, também foi nas outras duas companhias, de maneira que à porta-de-armas já estava muita gente. “Como é que foi possível emitirem tanto passaporte em menos de duas horas?” Perguntava o João.O que se estará a passar lá fora? Se me forem pôr a casa hoje, acho que me vão buscar amanhã para Caxias.” Insistia João. O Cruz, que tinha estado a falar com outros sargentos e oficiais, tentava tranquilizar João e os amigos, mas todos estavam com muitas dúvidas. Uns minutos antes da hora marcada, estacionou na parada uma Mercedes fechada de 16 lugares, uma Mercedes com lona onde cabiam aí uns 30 e as duas Berlieres com lona que, bem aconchegadinho, cabiam aí uns 50 em cada uma mas, não era preciso tanto porque o pessoal que ali estava não passava dos 80, 90 no máximo.

 

Todos os presentes foram descarregados nas listagens pelo 1º Sargento Figueiredo que também ia conduzir uma das Berlieres. Organizaram as viaturas conforme as zonas de residência sendo que o João e o Albertino moravam relativamente perto mas no final do circuito já estabelecido. Por sorte, e porque o 1º Figueiredo era vizinho deles, embarcaram na Berliere conduzida por ele. Ao todo, eram uns 30, mas metade, saíram em Santa Apolónia. Partiram muito perto das três da madrugada de 27 de Novembro de 1975, sem saberem o que na verdade se passava no exterior e cheios de dúvidas sobre a continuação, ou não, do regime democrático.

 

Às quatro e meia da manhã, quase no fim da linha e a chegaram a casa do João, só restavam ele, o Albertino e o Sargento Figueiredo, os três na cabina da Berliere. Dizia o 1º Figueiredo que, se calhar, teria sido melhor terem ficado porque agora é que ia ser tropa a sério, porque assim, porque assado, mas, nem o Albertino nem o João, estavam na mesma onda. A tropa só lhes tinha feito mal, não aprenderam lá nada antes pelo contrário, interromperam as respectivas vidas profissionais e ainda por cima estavam nesta situação ambígua, sem saberem ainda o que lhes ia acontecer. Faltava vinte para as cinco da manhã, quando a Berliere, conduzida pelo 1º Sargento Figueiredo, um gajo porreiro, guinchou e parou, à porta da casa de João Marques, militar à força de 1975, ano do PREC, que, terminava aqui a sua missão ao serviço da Pátria.

 

O que aconteceu filho? Fugiste? O que foi? Porque estás em casa a esta hora e com a mala?

 

Não aconteceu nada Mãe! O que é que quer, a tropa agora até nos dá boleia para casa!

 

Às 9h30m da manhã daquele mesmo dia 27 de Novembro de 1975, tendo dormido menos de 3 horas, João Marques reiniciou a sua atividade profissional como se nada tivesse acontecido.

 

A democracia ganhou!

 

(Partes do texto “25 de Novembro do ano do PREC” de Silvestre Félix)

(Baseado em fatos reais, com situações e nomes ficcionados)

 

Silvestre Félix

publicado por voltadoduche às 22:28

31
Dez 10

Entretanto passava da meia-noite, já era 27 de Novembro de 1975. Na secretaria da CCS, toda iluminada, já estava o 1º Sargento Pereira a tratar da papelada, que, neste caso, era um passaporte de dez dias para cada um. A confusão era grande. Na maior parte dos militares persistiam dúvidas sobre a facilidade da passagem à reserva. João, junto dos seus melhores amigos, levantava exatamente essa questão. O “estado de sítio” ainda estava em vigor, como é que era possível o 1º Pereira estar a garantir que íamos sair do quartel durante a noite?

 

À entrada das 3 companhias formaram-se bichas pirilau e, à vez, de dentro das secretarias, iam chamando os números de cada um. Era mesmo verdade, estavam a entregar passaportes individuais de dez dias e a comunicar que o espólio deveria ser feito na Unidade, a partir do dia 2 de Dezembro e até ao último dia de validade do passaporte.

 

O Vilaça apreciava o movimento de lado, mas muito apreensivo com o que se ia passar com ele nos dias seguintes. Já tinha sido chamado e dito que ia ficar até ao fim do seu tempo previsto que era o final do ano. O Mata e o Albertino vinham na direção do João para lhe mostrarem o passaporte, quando o 1º Sargento Pereira gritou o seu número. Lá foi confirmar que ia para a disponibilidade e, aproveitando, perguntou ao em que situação é que estava a obtenção da carta de condução civil, uma vez que a tinha requerido de acordo com o regulamento em vigor. O Sargento procurou… procurou e, numa exclamação recheada de sonoridade: “AHHH! Ora cá está o processo, muito bem… mas agora já não serve para nada!” E, num gesto rápido e enraivecido, rasga em oito bocados, a capa do processo com os papéis que tinha dentro, atirando tudo para o lixo.

 

João e os outros militares que ali estavam ficaram a olhar para o homem, completamente transtornado, sem perceberem o que lhe passou pela cabeça. Não disse mais nada, entregou o passaporte ao João, disse-lhe que tinha que fazer o espólio até ao décimo dia a partir do dia 2 de Dezembro, mandou-o sair e esperar até o voltarem a chamar. João ficou atordoado com a cena mas, porque o mais importante não era a carta de condução, saiu para a rua e foi ter com o Albertino, com o Mata e com o Cruz, que vinha já despachado da secretaria-geral. Tema de conversa não faltava.

 

(Continua)

(Partes do escrito “25 de Novembro do ano do PREC” de Silvestre Félix)

(Baseado em fatos verdadeiros com nomes e situações ficcionadas)

 

SBF

publicado por voltadoduche às 00:56

20
Dez 10

 

Naquele dia 26 de Novembro de 1975, a partir das dez e meia, onze da noite, o pessoal começou a recolher às companhias e, a maior parte, foi mesmo para a cama. João e os amigos, com o quartel de prevenção mas sem nada para fazer, foram ficando ainda na rua, do lado da parada e debaixo dos alpendres, falando e fumando, a ver se o sono vinha.

Faltava mais ou menos um quarto para a meia-noite, quando se começou a ouvir um barulho de motores, que mais pareciam tratores, aproximando-se cada vez mais. Instantes depois, dois Sargentos vêm a correr do lado da Porta-de-Armas gritando: São os Comandos, são os Comandos! Toda a gente foge e um deles, deita-se debaixo de uma Mercedes e fica em posição de espera. De repente, abre-se o portão do Quartel e entra uma “Chaimite”. Depois de parar, das suas “entranhas”, saltam vultos negros de arma em punho e gorros enfiados pela cabeça que, em corrida, se dirigem às respectivas companhias. Pelo portão da Unidade entram mais viaturas, João e os amigos ficam desorientados e não entendem o que eles pretendem nem o que está a acontecer. Os invasores começam então numa berraria de doidos usando um vocabulário muito baixo, mesmo ofensivo: Toda a gente a formar na parada…, rápido seus cabrões, seus filhinhos da mamã, rápido… rápido, senão se despacham começam a levar nesse cu que não é brincadeira seus filhos da puta. Bem, todo o “calão” do pior que se possa imaginar.

 

Das companhias, saía o pessoal já deitado ou em vias disso, alguns de pijama ou mesmo um ou outro em cuecas. Os “comandos”, não davam tempo para os homens se vestirem e na forma como estavam, eram literalmente empurrados para a rua e obrigados a formar na parada. Os que já estavam na rua, foram-se aproximando do centro da parada e tomando lugar na formatura.

 

Em pouco mais de cinco minutos, aqueles “zelosos” comandos, conseguiram alinhar na parada, fardados, em pijama ou em cuecas, cerca de trezentos militares completamente desarmados. Tomou a palavra o comandante da força invasora só para achincalhar ainda mais os rapazes e não era preciso. Já se sentiam bastante humilhados e, se já estava tudo decidido quanto ao futuro, para quê continuarem a ofender os filhos de outras Mães? João só ouviu as primeiras e as últimas palavras. Observou a reação muda de alguns dos seus colegas e, suspirou de alívio quanto o tipo acabou o discurso e deu indicação para nos dirigirmos às respectivas secretarias.

 

Entretanto passava da meia-noite, já era 27 de Novembro de 1975. Na secretaria da CCS, toda iluminada, já estava o 1º Sargento Pereira a tratar da papelada, que, neste caso, era um passaporte de dez dias para cada um.

 

(Continua)

(Partes do escrito “25 de Novembro do ano do PREC” de Silvestre Félix)

(Baseado na realidade com situações e nomes ficcionados)

 

SBF

publicado por voltadoduche às 11:34

12
Dez 10

Num grupo, onde estavam o João o Cruz e o Vilaça, comentava-se a sensação estranha que era a quantidade de militares aquela hora dentro do quartel. A verdade é que, mesmo de semana, nunca lá estava toda a gente às seis e meia da tarde como estão hoje e como têm estado desde o começo da prevenção. Os Sargentos e os Oficiais do quadro estavam todos de serviço, alguns nunca tinham sido vistos a fazer o que quer que fosse, mas, nesta situação, lá estavam todos a tomar conta do Quartel. Os Milicianos estavam agora na expectativa, ou seja, a bola agora estava do lado do Comando. O João estava ansioso e continuava a ter dúvidas em relação à facilidade aparente em passar à peluda mas, para já, não havia mais nada a fazer do que esperar.

 

Estava na hora de jantar e começava a ouvir-se uns “zuns-zuns” de que o “Regimento de Comandos” já estava nas imediações e que não faltaria muito para entrar na Unidade. Informavam as “fontes”, que ainda não o tinham feito porque esperavam a confirmação de que os Milicianos estavam desarmados. O Vilaça, que era um dos que ia ficar no Quartel porque lhe faltavam poucos dias para concluir o serviço militar obrigatório, não acreditava na vinda dos “Comandos”. O Cruz achava que era bem capaz de acontecer isso e, o João, não sabia o que pensar, duma maneira ou doutra queria era acreditar que se podia livrar rapidamente da treta que era a tropa.

 

Para este jantar, o Albertino estava muito limitado porque o menu que lhe tinham destinado não dava para fazer “flores” – bifes com batatas fritas e ovo a cavalo. Não estava toda a gente a jantar mas, os que estavam, «faziam mais barulho que uma dúzia de “berlieres” a trabalhar», dizia o João enquanto se dirigia com o Cruz para a messe de Sargentos na ideia de verem o telejornal. Quando chegaram já tinha começado e lá estava bastante gente a olhar para a “caixinha” mágica.

 

Dava para ouvir o Comandante do Regimento de Comandos da Amadora a botar um discurso que não agradou nada ao João e seus amigos. Eram palavras que indiciavam agressividade em relação aos “rebeldes” e que não agoirava nada de bom para os próximos dias. Num momento seguinte, já estava no ecrã o Major Melo Antunes com uma posição antagónica à anterior, dizia ele que: “É muito importante a participação do Partido Comunista Português na construção do socialismo, é preciso o empenhamento de todos os portugueses incluindo os do Partido Comunista, etc., etc”. Estas duas posições quase opostas, deixaram o João apreensivo mas, mesmo assim, sabendo da influência política de Melo Antunes e sendo ele membro e mentor do Grupo dos Nove, era nele que devia acreditar, além do mais, o Regimento de Comandos estava às ordens do Grupo dos Nove.

 

(Continua)

(Partes do escrito “25 de Novembro do ano do PREC” de Silvestre Félix)

(Baseado na realidade com situações e nomes ficcionados)

 

SBF

publicado por voltadoduche às 15:51

05
Dez 10

 

A noite foi de pouco sono e de muita conversa. O Mata e o Cruz, bem informados pelos seus contactos partidários que nunca se percebeu qual era e se era o mesmo dos dois, se PCP, se UDP, se MRPP, se PRP, se PCP (ML) se LCI se, se… do PS, PPD ou CDS é que não era. Em todo o caso, asseguravam que a situação ia acabar por ser resolvida com calma. Mas permanecia aquela ansiedade e mesmo algum medo. Para o Vilaça as coisas eram mais fáceis porque já estava perto da “peluda” e, para evitar algum problema de última hora, iria sempre esperar por pouco mais de um mês. O João e o Albertino estavam mais preocupados. O João acreditava mesmo que a democracia estava a levar um “corte” mas, o que era certo, é que não havia informação nenhuma do que se estava a passar no resto do País.

Quarta-Feira, 26 de Novembro, amanheceu fria mas com sol. Às 8h30 da manhã, ao contrário do que era habitual, o movimento fora das companhias era residual. O Quartel estava com quase 300 homens lá dentro e, aquela hora, parecia que estava tudo ainda a dormir. Aí por volta das nove horas, de repente, como se tivesse sido combinado, mas não foi, o pessoal começou a aparecer e a ocupar os pontos solarengos. O refeitório e os bares foram-se enchendo com a fome a apertar e as conversas desenvolveram-se e multiplicaram-se de tal forma que, a meio da manhã, num crescendo de afluência, as armas começaram a ser entregues nas respectivas arrecadações.

À hora de almoço, já muito pouca gente tinha arma distribuída. O João não fazia ideia que era a última vez que ia almoçar naquele refeitório. O prato foi Bacalhau à Gomes de Sá que o Albertino conseguia preparar primorosamente para aquela quantidade de gente. Tal como a Dobrada com Feijão Branco do dia anterior, o gosto deste Bacalhau permaneceu pelo tempo fora na boca de João como o tivesse comido no casino. É que o seu amigo Albertino, quando foi obrigado a ir para a tropa, já se responsabilizava por algumas refeições no casino. Era, aos 21 anos, o braço direito do Chefe na cozinha.

Logo a seguir ao almoço e ainda antes da bica, o João foi entregar à arrecadação as duas armas que lhe estavam distribuídas. A partir daquele momento sentia-se mais leve e desresponsabilizado.

O dia correu manso e às cinco da tarde lá estava o ginásio cheio de gente. Foi feito o ponto da situação. O tal Major Segundo-Comandante pediu licença para intervir no sentido de transmitir a posição do Comando, e foi o que fez. Informou que estava presente para verificar se de fato o pessoal mantinha a decisão de não aceitar o novo Comandante e, em consequência, passar à disponibilidade.

A Assembleia foi correndo depressa, e as propostas para entrega das armas e a opção pela passagem à disponibilidade, foram aprovadas por maioria. Sem votos contra e com uma dúzia de abstenções, sendo que, cinco ou seis eram milicianos que estavam no final do seu serviço militar. A sessão terminou uma hora depois e, como era habitual, tudo foi arrumado no seu sítio com rigor e disciplina.

 

SBF

(Continua)

(Partes do escrito “25 de Novembro do ano do PREC” de Silvestre Félix)

(Baseado na realidade com situações e nomes ficcionados)

publicado por voltadoduche às 01:33

28
Nov 10

 

Quando já estavam perto do quartel, João disse ao amigo para ir mais devagar na aproximação. No início da reta que dá acesso à Porta-de-Armas, aperceberam-se que havia muita gente no largo fronteiro ao portão….

O parou a alguma distância da confusão e o João saiu do carro despedindo-se do amigo com um abraço e dirigindo-se ao portão da Unidade… Dentro do quartel, João correu para a camarata fardou-se num minuto e…

Quando saía da CCS, já vinha o seu amigo Cruz ao encontro dele que, em trinta segundos, fez o ponto da situação e lhe disse que estava a contar com ele para a brigada de ronda que tinha sido encarregado de constituir…

O Furriel Cruz, no decorrer da ronda, foi passando toda a informação que considerava essencial e, relativamente à situação no quartel, disse ao João que era pacífica mas, a gestão mista entre os do quadro pelo novo Comando e os Milicianos pelo Comando antigo, causava alguns constrangimentos que estavam a ser difíceis de ultrapassar….

O turno da ronda era até às 2h da madrugada de 26 de Novembro e, de volta ao quartel e com a papelada toda preenchida, o Cruz e o João já tinham à espera o Vilaça e o Mata para irem ter com o “Chefe”Albertino à cozinha. À espera deles lá estavam umas febras na brasa e vinho verde que o Vilaça todas as semanas trazia da terra, lá para os lados de Guimarães….

No meio das febras e do “trotil”, foram fazendo o ponto da situação sobre as ações desencadeadas pelo Regimento de Comandos nos quartéis que eles designavam de rebeldes….

Todos sabiam que, não aceitando o novo Comandante, a Unidade estava na mesma linha de ataque do Regimento de Comandos….

A Comissão já tinha combinado uma Assembleia para as cinco da tarde e, para evitar confrontos quando os Comandos chegassem à Unidade, iam propor a entrega de todas as armas que estivessem com Milicianos, nas respectivas arrecadações. Todos acharam bem e combinaram mobilizar toda a gente para concretizarem esta proposta da Comissão.

 

(Continua)

(Partes do texto “25 de Novembro do Ano do PREC” de Silvestre Félix)

(Baseado na realidade com nomes e situações ficcionadas)

SBF

publicado por voltadoduche às 12:55

26
Nov 10

…Era uma das poucas coisas boas que ali encontrava, o “Chefe” Cabo Albertino, e os seus petiscos. Aliás, o Albertino viria a ser um dos milicianos companheiro de viagem de João, na caixa duma “Berliere”, na madrugada de 26 para 27 de Novembro, que foram distribuir pelas residências dos que moravam perto, e pela Estação de Santa Apolónia, para os que iam de comboio para casa com o “passaporte” na mão. …

…Para João não havia dúvida. Embora, do ponto de vista político, estivesse na área da chamada esquerda revolucionária, ou melhor, do PS para a esquerda, e, neste caso, contrário ao “Grupo dos Nove”, para ele o mais importante era a hipótese de se ver livre da tropa, portanto, a sua escolha, como para a quase totalidade dos milicianos, era a disponibilidade, passagem à “peluda” como se dizia então. …

…Há uns dias que a Comissão de Unidade tinha elaborado uma escala de saídas do quartel, para se saber exatamente o que se estava a passar no País real. Começava a haver pouca confiança na informação que chegava via televisão e rádio, e, dentro do quartel, era a única que havia. …

…Tinha chegado o dia de João sair para o exterior. No dia seguinte, 25 de Novembro, 3ª Feira, ano do PREC, ainda não eram 9h quando transpôs a “Porta-de-Armas” sob o olhar protetor do Primeiro-Sargento Alves. Uma dúzia de passos andados já na rua, olhou para trás, contemplou aquele grande portão verde e, decidido, encaminhou-se para a estação …

…Pouco depois de João ter saído do quartel como estava previsto, ouve-se o toque para a formatura geral. …

…de frente para a formatura na parada…

…Botou discurso o novo Comandante mais uma vez, dizendo que lamentava a decisão da Assembleia, que ainda havia tempo para pensarem melhor mas, se for realmente essa a vontade, tudo fará para que a transição corra sem problemas. Quanto ao regresso do antigo Comandante, não é negociável e está fora de questão qualquer cedência nesse sentido. …

João Marques passou todo o dia em Lisboa, a maior parte com colegas de trabalho e, ao fim do dia, rumou a casa onde aproveitaria para matar saudades da família e dos amigos e preparar roupa, porque a prevenção continuava e não sabia quando poderia voltar a casa. Tinha consigo três ou quatro jornais e toda a informação atualizada que conseguiu obter. …

…A televisão, a um dos cantos da sala, transmitia notícias e, naquela altura, falava o Capitão do MFA, Duran Clemente e era nisso que João estava interessado.

De repente, o Capitão, interrompe o que estava a dizer, começa a olhar para cima e para os lados, a imagem desaparece e é substituída pela escuridão completa do ecrã. Momentos depois, volta a surgir som e imagem mas, o que o João via, não era o Capitão Clemente mas sim, o exterior dos estúdios da RTP do Porto no Monte da Virgem. Uma voz off anuncia de seguida uma comunicação de Sua Exa o Presidente da República: O General Costa Gomes anunciava o decreto da declaração de “Estado de Sítio” com recolher obrigatório durante a noite. …

…os pensamentos de João sucediam-se… e o que mais o atormentava era a ideia de que teria havido um golpe militar de direita e tudo ia voltar para trás: A guerra, a PIDE, a censura e a tortura iam voltar… tudo se tinha perdido. E foi neste turbilhão, sem fazer ideia do que estava a acontecer na sua Unidade e dos riscos que corria, que, voando, chegou ao café onde costumavam parar os amigos. O Zé Silva, que tinha acabado de ver na televisão o mesmo e como se estivesse à espera dele, quase sem perguntas, meteu-o no seu carro e acelerou até ao quartel. …

…durante o trajeto, os dois amigos foram conversando mas a ansiedade de João sobreponha-se a tudo… o que me irá acontecer quando lá chegar? Vão prender-me com certeza! Pensava o João em voz alta.

 

SBF

 

(Partes do escrito “25 de Novembro do Ano do PREC” de Silvestre Félix)

(Baseado na realidade, com nomes e situações ficcionadas)

publicado por voltadoduche às 15:12

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